Por que o apreço ao passado? Resenha de Fantasmas da Minha Vida de Mark Fisher

Felippe Borges
4 min readJun 6, 2022

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Me pareceu extremamente sintomático observar o gênero nostálgico invadindo e colonizando inclusive os filmes que se passam no presente, como se, por alguma razão, não fôssemos capazes de focar no agora e alcançar uma representação estética da nossa própria existência (pg. 30)

2013 foi um ano de transformações sociais no mundo e, sobretudo, no Brasil. Naquele ano, ocorreu a maior onda de protestos no país em muito tempo. Eu era um entre os milhões de manifestantes que pedia, em placas e cantos, maior intervenção do Estado em relação a investimentos em transporte, saúde e educação. O estopim que nos movimentou, afinal, foi o do aumento de 20 centavos na passagem de ônibus municipal, de R$ 3,00 para R$ 3,20.

Após pouco mais de um mês de grande mobilização social, nós perdemos. A passagem de ônibus hoje em SP é de R$ 4,40 e a maior intervenção no Estado que pedíamos ficou para os tempos Keynes. Em 2014, foi eleito um governo de esquerda que jogou junto com a direita e, dois anos depois, era necessário que o Estado se retirasse ainda mais, o que culminou em um golpe parlamentar. Em 2018, o Brasil abraçou o fascismo.

O que ocorreu em 2013 é tema de interpretação. Alguns vão dizer que a retórica da esquerda foi cooptada pela direita, outros que as manifestações sempre jogaram à direita. Sendo isso ou aquilo, a verdade é que a direita conquistou as ruas a partir desta data. De 2014 em diante, manifestantes de verde e amarelo fecharam a Avenida Paulista diversas vezes pedindo impeachment, fechamento do judiciário e, óbvio, a volta da ditadura militar.

Protestar pela volta de um regime sanguinário, brutal e avesso à liberdade sempre me pareceu uma ideia esdrúxula e eu nunca gostei de interpretar as coisas de modo superficial. Afinal, quando as pessoas pediam a volta da ditadura militar, elas pediam o que? Não podia ser apenas um fetiche por homens fardados, mas algo além, talvez psicológico.

A primeira resposta convincente que recebi foi no podcast Xadrez Verbal, em que o historiador Filipe Figueiredo brinca ao comentar que as pessoas mais velhas que pedem a volta da ditadura militar pedem a volta não de um regime político, mas a de suas juventudes. Em tom menos jocoso, Mark Fisher, em Os Fantasmas da Minha Vida, traça mais passos em relação a esta tese.

Já faz um tempo que as produções culturais, seja o cinema, a música ou a TV, estão olhando mais para o passado do que para o presente ou futuro. No mesmo ano dos protestos de 2013, a superbanda Daft Punk lançava sua icônica Get Lucky, resgatando a música disco perdida dos anos 1980. O movimento da banda francesa inspirou outros artistas desde então, como Kanye West, Dua Lipa e Miley Cyrus, que lançaram músicas pop com os dois pés no passado.

(É curioso observar, além da sonoridade, que até mesmo o nome do álbum de Dua Lipa evoca essa sensação de apreço ao passado, batizado-o como Future Nostalgia).

O que explica esse movimento de tentar reencontrar o passado? Segundo Mark Fisher, “a destruição da solidariedade e da segurança pelo capitalismo neoliberal trouxe uma fome compensatória para o bem estabelecido e familiar”. Em outras palavras, Mark Fisher nos explica que o mundo em que vivemos hoje é extremamente difícil e incerto e, a seus modos, retirou-nos a capacidade de sonhar com um futuro melhor.

De certo modo, isso explica porque aquelas pessoas no Brasil pós-2013 pediam a volta da ditadura militar. Filipe Figueiredo estava certo ao dizer que as pessoas sentiam falta de suas juventudes, mas não era só isso. As pessoas sentiam falta de um Estado que amparava seus cidadãos. No fundo (e talvez com um tanto mais de discernimento), essas pessoas podiam também ser fileira nos protestos de 2013 ou que ao menos buscassem impedir aquilo que veio depois, mas, infelizmente, fizeram a curva política para o lado errado (e põe errado nisso).

No final das contas, o que o livro de Mark Fisher nos aponta de principal é que por mais que o apreço ao passado seja importante para nos firmarmos, é preciso reconstruir o que nos foi tirado e construir um novo futuro que esteja de acordo com aquilo que sonhamos.

Não perder a capacidade de sonhar. Talvez esta seja a maior lição.

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